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DEEGAN, DAVIES E O FAIR PLAY: o debate que a corrida não encerrou, por Monike Clasen 5p165a

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O AMA Supercross testemunhou, neste fim de semana, uma daquelas cenas que congelam mais do que uma imagem — congelam a consciência do público. Na penúltima volta, Deegan e Davies, companheiros de equipe, disputavam cada centímetro da pista. Uma curva fechada. Um movimento decisivo. E Davies foi ejetado do traçado, perdendo posições decisivas. 2l4b1p

Deegan venceu. Mas foi vaiado ao receber o troféu.

Não por ter cruzado a linha de chegada em primeiro. Mas pela forma como chegou lá.

A manobra — para alguns, um block legítimo.

Para outros, um gesto desnecessário, que comprometeu a integridade do duelo.

Para todos, um ponto de ignição.

Mas talvez o mais interessante não esteja no gesto em si — e sim no fenômeno que ele desencadeou. Os comentários, memes, análises técnicas e julgamentos morais que tomaram a internet não dizem apenas respeito ao Supercross. Dizem respeito a nós.

O esporte como espelho

As pessoas não assistem a uma corrida apenas pela velocidade. Elas assistem para ver como alguém se comporta quando está no limite.

O esporte, desde sempre, é mais do que competição: é teatro de humanidade.

Ali, o gesto vale mais do que o tempo de volta. A curva se torna um campo simbólico. E cada manobra, um convite para que o espectador projete sua própria bússola moral sobre o que vê.

A psicanálise chamaria isso de sublimação: o desejo, o medo, o impulso e a culpa são deslocados para a arena esportiva. O piloto não pilota sozinho. Ele carrega nossas projeções.

Por isso, uma ultraagem controversa nos fere ou nos excita de formas desproporcionais.

Por isso a vaia dói — não só em quem a recebe, mas em quem a emite.

Ela é resposta instintiva à quebra de um pacto tácito: o pacto da honra sob pressão.

O fair play não nasce só da regra

Fair play não é apenas obediência ao regulamento. Ele nasce de três camadas sobrepostas:

  1. A regra técnica escrita — clara, objetiva, aplicável.
  2. A cultura da modalidade — o que é tolerado, o que é malvisto, o que é heroico.
  3. E o julgamento difuso do coletivo — o superego do esporte, que se manifesta nas redes, nas arquibancadas, nos boxes.

No Supercross, essas camadas convivem em constante tensão.

O regulamento permite o contato.

A cultura do esporte valoriza a agressividade.

Mas o público, por vezes, impõe um quarto elemento: o limite invisível da honra, que nem sempre está na pista — mas está na observação.

A gramática própria do Supercross

O Supercross é um esporte que permite — e até convida — ao contato. Isso não é um desvio. É parte da sua equação.

  • Suas pistas são compactas, com pouca margem para ultraagens limpas.
  • A estética da disputa é física, intensa, quase coreografada para o risco.

Nesse cenário, não há erro em haver toques, bloqueios ou pressões. O que há é uma zona de transição: entre a agressividade estratégica e a hostilidade desnecessária.

Essa zona não está escrita nas regras — mas é sentida. É onde se instala a dúvida. E é justamente aí que o Supercross encontra um dilema: ele deve desdobrar seus critérios, ou preservar a liberdade da disputa crua?

Quando o gesto exige leitura

Outros esportes, com o tempo, estruturaram esse tipo de leitura mais refinada. Mesmo sem nomeá-los diretamente, falamos aqui de modalidades que operam com parâmetros como:

  • o ponto de frenagem,
  • a previsibilidade da manobra,
  • a coerência da linha de disputa,
  • e o espaço deixado ao adversário como gesto ou armadilha.

Ali, não é o toque que define a infração — mas a lógica (ou ausência dela) sob pressão.

Julga-se menos o impacto, e mais a intenção latente e suas consequências potenciais.

Esse tipo de análise não elimina a imprevisibilidade — mas eleva o gesto à altura da responsabilidade que o cerca.

E permite que o esporte diga, com maturidade: aqui, o risco é bem-vindo — mas não o abandono do outro à própria sorte.


Reveja aos melhores momentos e a cena do “block ” do título de Deegan na íntegra!

E se a ausência de regra for o estilo?

Mas talvez a pergunta mais honesta seja outra:

E se o Supercross não quiser desdobrar seus limites?

E se a identidade desse esporte não estiver na previsão, mas na margem?

Se o barulho da vaia fizer parte do espetáculo — não como exceção, mas como ritual?

Talvez não se trate de decidir entre crescer ou não.

Mas de aceitar que o caos também tem gramática, e que há esportes cuja alma está justamente na colisão entre limite técnico e impulso bruto.

A curva, nesse caso, não é tribunal.

É arena.

O que isso diz sobre nós?

Talvez o ponto mais provocativo desse episódio não esteja na pista, mas em como nós reagimos a ela. Por que nos apressamos tanto em julgar? Por que um gesto técnico desperta interpretações tão emocionais, tão morais, tão viscerais?

Talvez porque o esporte — como o sonho, como o mito — ativa zonas da mente que normalmente deixamos dormentes. Ao torcer, projetamos. Ao julgar, nos revelamos.

E quando o esporte, como o Supercross, não oferece um regramento específico sobre os níveis e os efeitos do contato, ele nos devolve a tarefa: a de recorrer às nossas próprias leis internas. Àquelas que definem o que é ousadia e o que é abuso. O que é vitória e o que é perda disfarçada.

Se deixarmos, o episódio Deegan x Davies pode ser mais do que um capítulo esportivo. Pode ser um pequeno experimento sobre como vemos o mundo — e sobre quem escolhemos ser quando assistimos alguém ultraando na curva.

Um pódio que talvez não se esqueça

Talvez, para Deegan, esse tenha sido um dos pódios mais significativos — não pelo troféu, mas pelo que o cercou. Tecnicamente, ele já mostrou ao mundo que é sensacional. Mas há vitórias que marcam por outra razão: porque colocam em xeque não a capacidade de vencer, mas o que se faz com ela.

Durante a prova, logo após o toque, houve um gesto que escapou ao puro cálculo técnico: Deegan lançou um olhar rápido para Davies, já fora da pista. Era o tipo de olhar que quebra a lógica do piloto focado apenas na linha de chegada. Um olhar que confere, que busca algo que os dados da telemetria não oferecem — a leitura do outro.

Após a bandeira quadriculada, ainda de capacete, ao encostar a moto, Deegan pergunta: “Eu ganhei o campeonato?” — não por dúvida real, mas como quem tenta legitimar, externamente, o que internamente ainda está em elaboração. 

Pouco depois, em sua primeira fala à repórter, ensaiou uma defesa firme de seu estilo: “é assim que eu corro”. Foi um posicionamento direto, com a rigidez de quem ainda está vestindo o escudo da competitividade — mas que, na entrelinha, já indicava um processo interno em andamento.

E então veio o pódio. O sorriso estava lá — mas menos explosivo. Era um sorriso contido, mais protocolar do que espontâneo: lábios levemente curvados, olhos neutros, expressão controlada. Ele segurava o troféu e olhava para as câmeras, mas o som das vaias já preenchia o estádio. Não houve reação direta — nenhum ajuste de expressão. Ainda assim, era visível a diferença entre quem comemora e quem apenas sustenta a imagem da comemoração. 

Para alguém que já é alvo frequente de críticas no ambiente digital, talvez tenha sido a primeira vez em que ouviu, de forma unânime e presencial, uma reprovação coletiva. 

Um som que não anulava a vitória, mas com força para acompanhá-lo por muito tempo, não como dado estatístico, mas como lembrança pública (e, quem sabe, como ativo narrativo). 

A pergunta que não se cala

O esporte não ensina apenas a competir.

Ele nos ensina a escolher, a projetar, a reagir.

E, às vezes, nos devolve uma pergunta difícil de esquecer:

Em quantos títulos se dissolve o gosto de uma vaia espontânea?

Eu sou Monike Clasen, trabalho com inteligência corporativa e sou uma apreciadora atenta do esporte. Gosto de enxergar o que se a nas pistas também pelas lentes que uso no meu ofício — onde reputação, linguagem e posicionamento são partes indissociáveis da performance e resultado. Trazer essas camadas para o meu lazer é algo que me entusiasma.

Escrevo este texto com a responsabilidade de quem narra uma perspectiva — e não uma verdade. Não é uma análise técnica da pilotagem, nem um julgamento moral. É uma leitura sobre o que um gesto, em uma curva, pode dizer — não apenas sobre o piloto, mas sobre todos nós.

Nota: Cole Davies terminou a prova em 5º lugar. Com o resultado, Haiden Deegan conquistou antecipadamente o título da 250SX Costa Oeste do AMA Supercross 2025.

  • Por: Monike Clasen | #ShowRadical

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